José Andrade

Durante os dias 06 e 07/07 Participei da 10 ª Festa Literária Internacional de Paraty – FLIP.  O sentimento foi idêntico ao que senti em 2006, quando participei da FLIP pela primeira vez. Naquele ano o evento estava na sua 04ª edição. Eu viajei de Salvador para participar da festa literária. Fiquei deslumbrado com tantas formas e possibilidades de fazer literatura. Eu cursava jornalismo e ao mesmo tempo estava me descobrindo como poeta e escritor. Lembro-me que os autores podiam caminhar pelas ruas, sentar-se nos barzinhos, conversar com os nativos e visitantes, sem se preocupar com as revistas de celebridades, sites de fofocas e as câmeras de celulares. Tive o privilegio de aprender com a experiência de grandes autores; Adélia Prado, Ferreira Gullar, José Miguel Wisnik, Inácio de Loyola, entre outros, admiráveis escritores. Conheci o talento dos poetas de rua, ignorados pela grande mídia e excluídos do mercado editorial. Na ocasião conheci o poeta e ator Pedro Mota, sem mérito algum da minha parte, ele me presenteou com um poema. “De você vejo a vida raiar com a beleza dos instantes. Sinto-te como os velhos amigos novos. Como fruto aberto cheio de vida. Vida que se encontra em estado de arte. Amigo: parece que nasceu em mim e cresceu longe de mim...”.
Participei também das  edições da FLIP de 2008 e 2009. Em cada uma delas senti-me, pleno, completo e realizado. A plenitude a que cheguei por alguns dias se deve ao fato do contato com a cultura literária e seus protagonistas, mas também ao fato de eu estar em Paraty. Não tem explicação; minha relação com Paraty é mística, sobrenatural. Cheguei a escrever que Paraty deveria ser chamada de paraíso. Um paraíso feito de pedras e de sonhos, sem serpentes e frutos proibidos.
Durante o período em que participei da 10ª Festa Literária Internacional de Paraty, percebi o quanto o evento mudou desde quando eu participei pela primeira vez em 2006.  Os autores viraram celebridades. Em uma FLIP a americana Toni Morrison ao sair da pousada onde estava hospedada, cobriu-se com uma capa para não ser vista pelos fotógrafos. Vários escritores demonstram aversão à fã e mídia como o sul-africano Coetzee, que só topava sair de barco e falar com os poucos fãs que tinham conseguido ingresso para a tenta principal. Causou-me grande impressão o amor que os visitantes de Paraty têm pela literatura. A cada ano tem aumentado o numero deles. Nesta ultima edição, 25 mil pessoas participaram do evento. É preciso gastar algum dinheiro e ter força de vontade para participar da festa literária. Marcar uma pousada é uma saga: estão sempre cheias e, em média, os preços cobrados rondam mais de mil euros pela estadia nos dias do evento. Depois é preciso reservar os ingressos para as mesas. As sessões mais disputadas esgotam nas primeiras horas. Mas quando chega finalmente o primeiro dia da FLIP eu sei que vamos viver a literatura de forma inesquecível.
Particularmente, sinto-me encantado pela bela cidade colonial, considerada Patrimônio Histórico Nacional. Passear pelo Centro Histórico de Paraty é entrar em outra época, onde o caminhar é vagaroso devido às pedras "pés-de-moleque" de suas ruas. Caminhar pelas ruas de Paraty é um deixar-se perder. Há um poema de Mario Quintana que me toca o coração sempre que eu caminho pelo Centro Histórico de Paraty.  “Eu amo de um amor que jamais saberei expressar essas pequenas ruas com suas casas de porta e janela. Ruas que me parecem tão distantes e tão perto. Há um tempo que eu as olho numa triste saudade de quem já tivesse morrido. Minhas ruazinhas de encanto e desencanto, é que expressais alguma coisa minha... Só para mim!”
O homenageado da 10ª FLIP foi Carlos Drummond de Andrade, um poeta clássico da literatura brasileira. Muitos dos poemas de Drummond botam em questão as características que ainda hoje diversas pessoas consideram definidoras do que é uma boa poesia. Disse o escritor homenageado “Certa palavra dorme na sombra de um livro raro. Como desencanta-la? É a senha da vida, a senha do mundo. Vou procurá-la.” Entre os milhares de livros que estiveram à disposição dos leitores durante a realização destes eventos literários de Paraty deve ter existido um livro raro. Nele dorme a senha da vida! Quem a terá encontrado?

 



 O SONHO




Olavo Bilac
Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade
Solto para onde estás, e fico de ti perto!
Como, depois do sonho, é triste a realidade!
Como tudo, sem ti, fica depois deserto!


Sonho... Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça.
Noite... A amplidão se estende, iluminada e calma:
De cada estrela de ouro um anjo se debruça,
E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.


Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado.
Em torno a cada ninho anda bailando uma asa.
E, como sobre um leito um alvo cortinado,
Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.


Porém, subitamente, um relâmpago corta
Todo o espaço... O rumor de um salmo se levanta
E, sorrindo, serena, apareces à porta,
Como numa moldura a imagem de uma Santa...


José Andrade

A cidade adormecida descansa de mais um dia, o meu ultimo dia! A minha ultima noite na cidade! Em outras mãos entrego as chaves das portas que eu abri.  Nas mãos de Deus entrego meu corpo abatido, todo ele desilusão. Estandarte triste de uma estranha guerra, na qual eu fui ferido com um daqueles golpes em que uma pessoa leva muito tempo para se recuperar. Se é que se recupera! Passarão alguns minutos e tudo estará consumado. “Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste, se sabias que eu não era Deus, se sabias que eu era fraco?” (Carlos Drummond de Andrade)
 Abro a porta e saio como quem sai da vida para entrar na morte. Escuto o soluçar do vento que vem banhar meu rosto com as águas turvas da mentira.  Ó noite onde tudo mente e engana! Ó noite única coisa no universo do tamanho da minha dor! Olho a casa, a Avenida Dalva e a Igreja de São Jorge como quem olha as coisas que se perdem para sempre. Ó santo guerreiro, não permitas que eu me perca em ser treva e me torne noite sem sonho e sem estrelas.
Caminhei os últimos passos; entre o portão da casa e a porta do carro. Tudo ali era uma despedida que se cumpria. Um adeus sussurrado na alcova da madrugada. Minha alma sem futuro e nem casa, passa errante pela noite má levando na bagagem silenciosas lembranças e magoas sombria. Quem me consolará? Pergunta meu coração, porém meus olhos não perguntam nada. Debruço-me sobre o rosto branco das ruas sombrias e desertas e começo afogar-me nas águas noturnas do meu desassossego.


José Andrade

Às vezes sou acometido de uma estranha vontade de escrever a cada um dos meus amigos. É como se o meu peito explodisse e dele jorrasse todos os sentimentos do mundo. Infelizmente não escrevo nada a ninguém. Escrever é perigoso. Quem já tentou, sabe. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que escrevo escondem outras – quais? Talvez um dia eu escreva. Escrever é pular de paraquedas no escuro. Hoje refleti sobre a liberdade. Li um pequeno texto de Clarice Lispector a propósito do que eu estava refletindo. Refleti mas tive medo de escrever! Então, peço a bênção a Clarice para partilhar com você um trechinho do que ela escreveu sobre essa liberdade inocente que vive e morre no coração da gente.

“- Ela é tão livre que um dia será presa.
- Presa por quê?
- Por excesso de liberdade.
- Mas essa liberdade é inocente?
- É. Até mesmo ingênua.
- Então por que a prisão?
- Porque a liberdade ofende.” (Do livro Um sopro de vida)



Cecilia Meireles 
 
De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...


 

JOSÉ ANDRADE

A cidade agora é um vão de luz deixado para trás. Eu vou avançando pela estrada, me embrenhando na noite. Mas esta, não é uma noite qualquer, pois ela nos remete a outra que jamais foi esquecida. A noite escura do Monte das Oliveiras, nela se embrenha Jesus, faz parte dela a solidão e o abandono vivido por Ele, que, vai ao encontro da escuridão e da morte.

Olho para traz, não avisto sequer um único vestígio da cidade, agora submersa no negrume da quinta-feira da paixão, eu embrenhado nela, sendo arremessado à noite dos tormentos. Faz parte desta noite a traição de Judas e a prisão de Jesus, bem como a negação de Pedro; e ainda a acusação diante do Sinédrio e a entrega aos pagãos, a Pilatos.

Jesus embrenhado na noite... Ele parece recuar assustado diante de uma realidade tão monstruosa! Sinto-me deveras também assustado, embrenhado na escuridão de tal sorte que dentro de mim também é noite.   Sinto que é noite. Não porque escureceu e a cidade ficou para traz, mas porque dentro de mim, no fundo de mim, residem os mesmo sentimentos de Cristo.
 Jesus estende o olhar pelas noites do mundo: vê a maré das nossas circunstâncias feitas de mentira, da não compreensão, da falta de dialogo, do obscurecimento da verdade. Nós também somos noite! Não nos vemos um ao outro. Diria Drummond: Que adianta uma lâmpada, uma voz? É noite no meu amigo!  É noite no Monte das Oliveiras, no meu coração...
 Jesus entra na noite para ilumina-la, transforma-la em dia! Diria ainda Drummond: É noite, não é morte, é noite! Não é dor e nem paz, é noite.



Chico Buarque

Solidăo năo é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo....
Isto é carência.
Solid
ăo năo é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que năo podem mais voltar.....
Isto é saudade.
Solid
ăo năo é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes, para realinhar os pensamentos.....
Isto é equilíbrio.
Solid
ăo năo é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente para que revejamos a nossa vida.....
Isto é um princípio da natureza.
Solid
ăo năo é o vazio de gente ao nosso lado.....
Isto é circunstância.
Solid
ăo é muito mais do que isto...
Solid
ăo é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em văo pela nossa alma .....




José Andrade

Mario Quintana, o bom velhinho de Porto Alegre, disse em um dos seus poemas: “Antes todos os caminhos iam, agora, todos os caminhos vão.” Atualmente, simplesmente, não há caminho. Há apenas vontade de caminhar... A vontade ainda existe, embora muito dela já tenha se perdido nos momentos escondidos na lembrança.  Mas para onde ir, quando o caminho é uma incógnita, uma abreviação do itinerário previsto na geologia encantada das horas que foram e que vão?   Não há caminho que possa ir agora pelo mundo afora. O meu tempo é agora. E quando não há nada a fazer, nem caminho a seguir resta apenas acreditar que um dia vamos encontrar o caminho.



José Andrade

A pessoa através da qual eu fiquei sabendo da morte de Nelson Francisco é a mesma que me apresentou João Manoel. A inexistência de um e a existência de outro chegaram a mim através das mãos de uma mesma pessoa. A vida e a morte vieram de um mesmo lugar, percorreram o mesmo caminho e chegaram ao mesmo destino. Subverteram a ordem da natureza; a vida chegou por ultimo. A vida de João Manoel vem do universo virtual... Mas quem disse que não é vida real? Qual a diferença que existe entre virtual, real e espiritual? Enquanto esta pergunta não for respondida eu recuso-me acreditar em simples coincidência...