Hoje, 14 de dezembro de 2012, revisitei Campos do Jordão-SP, desta vez, acompanhado pelos amigos Silvio e Victor. Estive nos meus lugares favoritos; Mosteiro Beneditino, Palácio Boa Vista, Auditório Claudio Santoro. Ducha de Prata, Capivari e Pico do Itapeva de onde podemos avistar todas as cidades do Vale do Paraíba. Eu estava com saudade da montanha e suas noites feitas de gelo com cobertura de neve. O crepitar das chamas daquela lareira acessa noite afora ainda queima no meu peito. Mas do que eu tenho mais saudade, é de quando, um amigo chamado João Angelito, chegava de São Paulo as 2 h e íamos a Campos do Jordão para tomar chocolate com conhaque, depois voltar para casa, dormir e acordar as 6 h 30 min. Eram loucuras de inverno! Hoje é verão e Campos do Jordão continua uma tentação, toda ela, feita de chocolate. Quem vai a campos e não experimenta suas delicias feitas de chocolates, nunca vai ter perdão.


Recentemente revisitei Paraty-RJ, cidade que me arrebatou desde que eu a vi pela primeira vez, deixando-me em estado de poesia. Escrevi alguns textos falando da minha convivência com a cidade calçada de pedras irregulares, trazidas de Portugal. Mas é de Mário Quintana o poema que melhor traduz a minha relação com a cidadezinha que é feita de pedras e de sonhos. 

Eu amo de um amor que jamais saberei expressar
Essas pequenas ruas com suas casas de porta e janela,
Ruas tão nuas
Que os lampiões fazem às vezes de álamos,
com toda a vibratilidade dos álamos, petrificada nos troncos
                                                                              [imóveis de ferro,
Ruas que me parecem tão distantes
E tão perto
A um tempo
Que eu as olho numa triste saudade de quem já tivesse morrido.
Ruas como as que a gente vê em certos quadros,
Em certos filmes:
Meu Deus, aquele reflexo, à noite, nas pedras irregulares
                                                                                [do calçamento,
Ou a ensolarada miséria daquele muro a perder o reboco...
Para que eu vos ame tanto
Assim,
Minhas ruazinhas de encanto e desencanto,
É que expressais alguma coisa minha...
Só para mim!”
 Paraty ocupa um lugar especial na minha memória afetiva.














José Andrade

Na escuridão da noite morna, salpicada pelas luzes do paço da cidade, eu passo despercebido pela multidão, caminhando em desalinho com os meus próprios passos. As ondas declamam o poema do mar aberto. Ó ondas, ò mar, ó ventos que soprais a métrica do poema da minha vida, revelai o segredo dos meus dias. Atirai-me ao abismo das horas como uma conchinha atirada ao nada. Nada sou, nada sei da palavra fácil, que confabula com os coqueiros o segredo daquele menino cujo choro já não se ouve. Dai-me tua palavra, teu verso, teu silencio, teu poema, pois esta é minha praia.

  
José Andrade

Quiririm, rio das chuvas, das águas
Rio das águas mansas de sonhos e de sol
Rio das águas, longas amargas magoas
Vagas chuvas enchendo o rio que deságua em mim
O teu rio Quiririm é melhor do que o de Fernando Pessoa.


José Andrade
Bem Belém, a vida vai e vem
É uma estação de trem, solitária, sem ninguém.
Bem Belém, a vida nem sempre é o que convém
Convenhamos nós, cada um vale o que tem
 E às vezes o que não tem.
Bem Belém, tuas tardes mornas,
Tuas noites perfumadas são minhas também.
Senhora da floresta, cidade dengosa,
Tu sabes o quanto de quero bem.
Belém, meu bem, teus sinos me olham.
Teu povo me benze.
Os anjos na basílica tocam trombetas
E dizem Amém.


A janela bêbada de neblina abre-se para uma cidade que uiva como cães perdidos ao verem sepultados os seus donos. Nesse ambiente nebuloso, movem-se centenas de personagens noturnos, cujos olhos são tão tristes como as manhãs das sextas-feiras da paixão vividas na minha infância. A Avenida São João conta a triste saga dos cães perdidos. Bem mais triste do que a saga contada por Graciliano Ramos em seu livro “Vidas Secas”. Vidas secas são as dos personagens dessa noite, aonde só a neblina vem aliviar-lhes a dor e molhar a solidão. Vidas secas, folhas secas tangidas pelo vento somos nós, andando ou não, amando ou não.
A janela fecha-se para a noite enquanto a folha seca e úmida de neblina segue rolando pela calçada. A noite geme como um moinho de vento.


Anoiteceu cedo! No inverno é assim; as noites chegam mais cedo e custam a passar. Mas hoje não é inverno, não é noite e nem é dia. Hoje é o que existe entre o tudo e nada. Perderam-se as estações e o relógio que contava o tempo perdeu os ponteiros como um velho cão que perde os dentes.

Amanheceu cedo! No verão é assim; os dias chegam mais cedo e custam a passar. Mas hoje não é verão, não é noite e nem é dia. Hoje é o que existe de mais sagrado entre o céu e a terra. É o presente sem precedente e o futuro sem passado. Presente é presente! O futuro a Deus pertence. A nós, o presente!


 O relógio enlouqueceu de vez o tempo e perdeu-se na confusão das horas perdidas. Precipitou-se no vácuo da hora em que a natureza troca de guarda. Perdi a hora, o sonho e o sono. Perdi inclusive a chave do camarim da tarde que dói de tão igual. O que eu não perdi foi o som da voz que badala dentro da minha alma dando norte a minha vida. Estou acertando o ponteiro do relógio e convivendo com os meus desalinhos. Foi só o tempo que errou.


“Dentro da noite veloz, o túnel de verdes bambus se estende serpenteando, iluminando o destino dos que partem e dos que chegam. Vai correndo como um menino, abrindo passagem aos que passam, ao que passa e ao que não passa. Por dentro do túnel eu vou passando. Mas afinal o que passa e o que fica? Talvez nada seja assim tão definido. Apenas é o que estava destinado a ser. Eu só sei que as nuvens vistas de longe às vezes são indomáveis gigantes, outras vezes dóceis carneirinhos rechonchudos a distrair os anjos. Mas as nuvens vistas de perto, assim tão de pertinho, são intocáveis, indecifráveis e misteriosas como aqueles sonhos, que por puro encanto, são desfeitos pela luz da manhã. Eu sou a luz que restou no fim do túnel querendo ser a luz da manhã.”