José Andrade

“[...] Nem todo errante é sem propósito, especialmente aquele que busca a verdade além da tradição, além da definição, além da imagem” (narração de Betty aluna da professora Watson da Universidade de Wellesley).

O Sorriso de Monalisa, consegue passar sutilmente por substratos ideológicos marcantes, como Bergson, Nietzsche, Freud e Marx e fatos históricos como a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, que marcaram profundamente o século XX, consequência viva e expressa disso foram as vanguardas, que tentaram chamar a atenção por meio da arte, mostrando a perplexidade do mundo contemporâneo, que no uso didático e em uma perspectiva metodológica engloba o ensino, e o conhecimento por parte dos alunos de algumas obras, por meio de ilustrações em livros didáticos e reproduções dessas obras levadas pelo professor para a sala de aula, fazendo com que impere a reflexão, de maneira dinâmica a respeito das correntes estéticas de Vanguarda na Europa, como: futurismo, expressionismo, cubismo, dadaísmo, fauvismo, abstracionismo e o surrealismo, que vêem desvelar os sentimentos humanos, expressando as angústias que caracterizavam psicologicamente o homem no início do século XX.
Dessa forma, no contexto cinematográfico, o objetivo de Katherine no filme, está dirigido para gerar um pensamento e uma ação independente nas alunas e levá-las a se interessarem vivamente pela arte e, por meio desse interesse, construírem a si mesmas enquanto cidadãs críticas e que se posicionam sobre o que está ao seu redor, em vez de seguir padrões estabelecidos. Incomodada com o conservadorismo da sociedade e do próprio colégio que trabalha e preocupada com a posição social que as jovens ocupam nessa sociedade, Katherine decide lutar contra as normas e em prol de uma reflexão por parte dessas mulheres, passando a inspirar as alunas a enfrentarem os desafios da vida, passando a um processo de interação, descobertas e redefinições.
Sendo este um filme sobre mulheres, ratifica-se que elas desempenham papéis fundamentais na trama. Nancy Abbey, sintetiza o papel social da mulher da época, representa uma personagem socialmente adaptada e perfeita, preocupada em parecer uma figura perfeita do ponto de vista dos valores sociais. Contudo, seu personagem cai por terra e se mostra incapaz de tomar para si um sentido para o momento. Já a enfermeira Amanda, protagonista da história, é uma mulher forte, firme e objetiva e traz dois temas polêmicos à tona: o homossexualismo e o uso da pílula. A temática da contracepção, aliás, será um dos temas discutidos durante o filme, e que apresenta-se em momento oportuno em sala de aula como um conteúdo a ser trabalhado, por meio de debates com os alunos. Lembremos que o uso da pílula aprovada de forma formal pelo FDA, órgão norte-americano controlador do medicamento, em 1957, gerou inúmeras polêmicas nos EUA e no mundo ocidental.
A personagem Joan Brandwyn, representa a possibilidade da mulher sair do seu papel de agente passivo para agente ativo de uma sociedade tão conservadora. Joan consegue sair da sua posição, e tomar sua própria decisão: faz inscrição e é aceita pela faculdade de Direito, entretanto, abre mão da sua carreira para viver sua vida conjugal. Mas o importante é que ela faz uma escolha, e nela, é livre. Betty Warren, por pressão da família e pressão social casa-se e acaba por constatar que o casamento não é garantia de segurança social e muito menos de felicidade. Já Giselle, por sua vez, é uma moça liberal que se apaixona por homens mais velhos, representa uma personagem forte que foge dos padrões da época. Pode-se perceber uma simbologia feita pelo filme, quando Giselle, através da cena que aparece em frente ao espelho, tenta se comparar à professora Watson. Neste sentido, o espelho refere-se à função reprodutiva e refletora do pensamento, além de representar o símbolo da feminilidade.
A arte questiona, a professora também. A arte causa impacto e desconcerto, a professora também. Assim, visiona-se que Katherine, a professora revolucionária de História da Arte, apresenta-se no filme como uma professora de vanguarda, pois, era uma mulher que estava à frente do seu tempo, com seus pensamentos e ideais.
Ao considerar um dos trechos do filme, referenciado no início do comentário, em que o erro não é sem propósito, quando se busca a verdade além do que é concebido como verdadeiro e definitivo, tem-se que a maneira como o cinema trata o feminino é muito mais fruto das convenções, é muito mais cultural do que técnica, pois as imagens dominantes da mulher nos filmes são constituídas pelo e para o olhar masculino. Atrelado a isso, de modo geral, o personagem feminino nos filmes é fortemente marcado por traços misóginos, a função que cabe às mulheres na sociedade, tendo como papel casar-se, cuidar do marido e dos filhos, amando-o incondicionalmente.
A maioria dos filmes apresenta as mulheres como dependentes e incapazes de tomar decisões acertadas (sobretudo em situações de perigo); estão sempre em busca do complemento masculino, cuja presença, além de significar realização pessoal, sugere segurança e proteção. São incontáveis os filmes em que o herói aparece no momento-chave para livrar a amada das garras de um agressor, diferentemente do propósito de “mudança” proposto em “O Sorriso de Monalisa”.
O nome dado ao filme: “O Sorriso de Monalisa”, fazendo referência ao quadro pintado por Leonardo Da Vinci, quadro que passa por diversas discussões a respeito de quem ou a que o pintor teria se inspirado, no filme tem papel primordial, quando é enfocada a seguinte questão: a mulher pintada no quadro estaria alegre ou não? Com base nessa pergunta é possível refletir também se aquelas mulheres, que estudavam no colégio Wellesley e direcionavam seus valores, suas vontades, suas vidas para o casamento, a casa, o marido e os filhos, eram mesmo felizes como diziam ser ou como esperavam ser. Que ideal de vida as sustentavam? Esse ideal e a formação que elas obtinham, permitia que as mesmas construíssem sua própria identidade, sua própria personalidade?
Outra nuance que o filme trata, é a questão do professor como ser enigmático para seus alunos, a questão do olhar do aluno para o professor, ou seja, as curiosidades que os alunos têm em relação à vida do professor, “enigmas” como: quem é esse professor, de onde ele vem, o que ele quer, ele é solteiro, casado, têm filhos, o que gosta de fazer, etc.), questões que despertam curiosidades nos alunos, uma temática que pouco ou nada é pesquisada.
Assim, a projeção do filme “O Sorriso de Monalisa”, constituiu a tentativa de sintetizar algumas das possibilidades de uso do cinema na sala de aula e na possibilidade de propiciar que professores e alunos descubram outras tantas, tendo em vista, principalmente, que a emancipação das mulheres foi uma das maiores realizações do século XX, pois essa abordagem é pouca em sala de aula, sinal de que ainda há muito espaço e trabalho pela frente para que elas realmente possam se perceber como autênticas parceiras dos homens no comando das ações nesse planeta.