José Andrade
A cidade adormecida descansa de mais um dia, o meu
ultimo dia! A minha ultima noite na cidade! Em outras mãos entrego as chaves das
portas que eu abri. Nas mãos de Deus
entrego meu corpo abatido, todo ele desilusão. Estandarte triste de uma
estranha guerra, na qual eu fui ferido com um daqueles golpes em que uma pessoa
leva muito tempo para se recuperar. Se é que se recupera! Passarão alguns minutos
e tudo estará consumado. “Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste, se sabias
que eu não era Deus, se sabias que eu era fraco?” (Carlos Drummond de Andrade)
Abro a porta
e saio como quem sai da vida para entrar na morte. Escuto o soluçar do vento
que vem banhar meu rosto com as águas turvas da mentira. Ó noite onde tudo mente e engana! Ó noite
única coisa no universo do tamanho da minha dor! Olho a casa, a Avenida Dalva e
a Igreja de São Jorge como quem olha as coisas que se perdem para sempre. Ó
santo guerreiro, não permitas que eu me perca em ser treva e me torne noite sem
sonho e sem estrelas.
Caminhei os últimos passos; entre o portão da casa e
a porta do carro. Tudo ali era uma despedida que se cumpria. Um adeus
sussurrado na alcova da madrugada. Minha alma sem futuro e nem casa, passa
errante pela noite má levando na bagagem silenciosas lembranças e magoas
sombria. Quem me consolará? Pergunta meu coração, porém meus olhos não perguntam
nada. Debruço-me sobre o rosto branco das ruas sombrias e desertas e começo afogar-me
nas águas noturnas do meu desassossego.