José Andrade

Da câmara fixa, parada, dos tempos dos Irmãos Lumiére e de George Méliés, passando pela sistematização da linguagem cinematográfica com David Wark Griffith (O nascimento de uma nação, 1914, Intolerância, 1916), o cinema, ao longo de mais de 200 anos sofreu, na sua trajetória, várias transformações em seu estatuto da narração.
Do reinado da arte muda, quando se pensou o cinema ter alcançado a sua essência como linguagem, passando pela introdução do som – que, inegavelmente, modificou a arte do filme, a linguagem cinematográfica recebeu, na sua trajetória, influências da tecnologia, incorporando seus avanços.
Sob outra vertente se encontram as inovações tecnológicas favoreceram a ruptura dos esquemas tradicionais (produtivos e expressivos) e a difusão de usos do cinema que, anteriormente, tinham sidos feitos só em caráter excepcional (as vanguardas históricas e certos momentos heróicos do neorrealismo).
Incorporando os avanços tecnológicos, o cinema conseguiu sair da supremacia da montagem para a profundidade de campo – a invenção das objetivas com foco curto permitiram a um Welles a ousadia de uma renovação estética em Cidadão Kane, ponto de partida da linguagem do cinema moderno.
O fracionamento deu lugar a demoradas incursões da câmera dentro da tomada, permitindo, com isso, maior poder de captar a alma humana nos seus devaneios e nas suas angústias como, também, com Roberto Rossellini, assaltar com a câmera o momento histórico, o instante real.
A instalação da película pancromática (aquela dotada de maior sensibilidade) e a difusão de câmeras mais fáceis de manobrar mudaram a face do cinema e foram fatores que contribuíram para o advento do chamado cinema moderno. A câmera na mão, que veio a facilitar a apreensão da realidade, surgindo o cinema-verité, é uma conseqüência da tecnologia. A película pancromática, por mais sensível, fez com que os realizadores saíssem dos estúdios fechados e se intrometessem, com suas câmeras, nos exteriores mais recônditos, descobrindo, com isso, um cinema mais verdadeiro porque menos artificial.
É possível acreditar que a tecnologia determinou uma evolução da linguagem cinematográfica?
Numa resposta direta poder-se-ia afirmar que evidentemente a tecnologia determina uma transformação da linguagem cinematográfica, ainda que não venha a provocar a revolução estética que se verificou quando da passagem do cinema mudo para o sonoro. A tecnologia encontra-se, por exemplo, hoje, tão evoluída, que provoca no espectador uma impressão de realidade antes impossível de ser verificada. Tem-se a estética cinematográfica quando a técnica se conjuga com a linguagem, instaurando-se, aí, o ato criador.
Segundo Benjamin (1996, p. 186):
A realização de um filme, principalmente de um filme sonoro, oferece um espetáculo jamais visto em outras épocas. Não existe, durante a filmagem, um único ponto de observação que nos permite excluir do nosso campo visual as câmaras, os aparelhos de iluminação, os assistentes e outros objetos alheios à cena. Essa exclusão somente seria possível se a pupila do observador coincidisse com a objetiva do aparelho, que muitas vezes quase chega a tocar o corpo do intérprete [...] A natureza ilusio nística do cinema [...] está no resultado da montagem.
A partir das reflexões benjaminianas sobre o aparelho cinematográfico, pode-se entender que o receptor muitas vezes pode-se afirmar ser sujeito diante da tela de cinema ao se defrontar com experiências de intérpretes que retratam humanitariamente o indivíduo na vida moderna, que tanto solapa a individualidade e causa estranhamento e opressão no cotidiano.
Assim, é imperiosos compreender que se chama de linguagem cinematográfica o conjunto de planos, ângulos, movimentos de câmera e recursos de montagem que compõem o universo de um filme.
Da mesma forma que na linguagem gramatical os substantivos, adjetivos e advérbios exercem funções específicas e são usados da maneira mais inteligível possível (não seremos bem compreendidos se dissermos: muito o quando feliz vi fiquei), os aspectos da linguagem cinematográfica devem ser planejados para se obter a melhor forma de expressão.
Para isso, é preciso ter em conta que cada plano, movimento de câmera, etc., tem um efeito psicológico, um valor dramático específico e exerce seu papel dentro da totalidade que é um filme.
Entretanto, a maioria das pessoas que vai ao cinema recebe uma avalanche de imagens e não se encontra apta a identificá-la enquanto uma linguagem. O que interessa, apenas, é a história, a intriga, o desdobramento das situações – aquilo que se chama de “fábula”. Assim, o espectador comum não percebe que o filme tem uma narrativa e é esta que, por assim dizer, “puxa” a fábula – isto é: a história. Por narrativa se entende a maneira pela qual o realizador cinematográfico manipula os elementos da linguagem fílmica. Ou seja: o conjunto das modalidades de língua e de estilo que caracterizam o discurso cinematográfico.
Assim, na produção de filmes, observa-se a intervenção de um conjunto diversificado de elementos técnicos e equipamentos, em razão de sua importância dos quais no filme “O Bem Amado” destaca-se não somente a argumentação que foi adaptada da uma obra literária brasileira de Dias Gomes, conta a história do prefeito Odorico Paraguaçu, que tem como meta prioritária em sua administração na cidade de Sucupira, a inauguração de um cemitério. De um lado é apoiado pelas irmãs Cajazeiras. Do outro, tem que lutar contra a forte oposição liderada por Vladimir, dono do jornaleco da cidade, entre outros, o campo que compreende tudo o que está presente na imagem: cenários, personagens, acessórios, no qual no referido filme, incluindo aqui o cenário que foi no Nordeste, na qual exigiu não somente um aparato de filmagens locais como que os personagens tivessem um sotaque nordestino –, com falas aceleradas, onde os diálogos atuam como pingue-pongue.
As interpretações – intensas, gritadas e aceleradas, mas as cenas que são divididas em unidades dramáticas e de ação contínua, tendenciam a uma sequência dramática e cômica com unidade de lugar e tempo, que pode ser “coberta” de vários ângulos no momento da filmagem, que envolvem todo o contexto do cenário e produção cinematográfica que lembra a época em que se passa a narrativa.
Os personagens da cena são vistos como caricaturas, sendo que, obviamente, o mais explorado é Odorico, principal ator do filme. E, nesse contexto, pela narrativa da história de inaugurar o cemitério da cidade as cenas do filme se tornam cansativas, o humor vai se dissipando e o resultado final passa a ser pouco satisfatório.
As cenas são montadas para construir a narrativa do filme. A montagem no cinema para o filme “O Bem Amado” consistiu na organização dos planos que envolveu determinadas condições de espaço temporal que envolveu condições de ordem e duração, precedidas de sucessão das tomadas ou planos dentro de uma sequência, com a finalidade de proporcionar uma unidade interpretativa, embora a narrativa da linguagem cinematográfica redunde em cima de um único objetivo: inaugurar o cemitério da cidade de Sucupira.
Na montagem das cenas no referido filme é importante atentar para os discursos mediáticos, uma vez que é o quadro enunciativo que forma a componente simbólica indiscutível, que os interatantes têm que pressupor em comum, para que aquilo que dizem tenha sentido e seja, por conseguinte, compreensível. Bem vistas as coisas, é a maneira como os dispositivos interferem na constituição do quadro enunciativo dos discursos que os utilizam como suporte que distingue propriamente esses discursos das interações discursivas entre interactantes que estão em presença face a face, como na cena vista entre o prefeito e as irmãs cajazeiras, bem como quando busca por um “defunto” em sua conversa com “Zeca Diabo e Dirceu Borbuleta”.
Observa-se, também, que a materialidade verbal na montagem da cena possibilita, através dos papéis desempenhados pelos atores, num quadro enunciativo na constituição do sentido que leva o expectador a pensar que a ocorrência de uma materialidade verbal tem um sentido dentro de um determinado quadro enunciativo, interferindo, através da “fábrica de palavras”, na formação desse quadro, na constituição dos pressupostos da enunciação que os interpretes das cenas têm, dando sentido a esses discursos.













         José Andrade

                                                                                 Eu me recuso dizer adeus

Hoje, dia 23 de outubro de 2010, foi o ultimo dia de aula do curso de especialização em Estudos Culturais, Historias e Linguagens da UNIJORGE, do qual eu sou aluno. Digo que sou aluno, porque ainda nos resta concluir o Trabalho de Conclusão de Curso, o temido TCC. O meu, trata-se de um projeto para o mestrado em lingüística aplicada e também serve para o mestrado em estudos da linguagem. Pretendo desertar sobre; Neologismo e a Conseqüência da Dinamicidade da Língua - A Palavra Inventada na Concepção da Oralidade á Luz da Obra “O Bem Amado.” Estou sendo orientado pelo Professor Sebastião Neto, a quem agradeço de coração pelas inúmeras contribuições que ele tem me dado.
Nossa turma possuía uma grande variedade de alunos que traziam consigo deferentes experiências dos diversos campos do conhecimento. Tínhamos numa única sala; psicólogos, sociólogos, advogados, padres, jornalistas, historiadores, artistas plásticos... Enfim, gente do mundo das artes e da cultura; um caldeirão cultural temperado com diversos saberes e sabores. Nós, esses alunos, levávamos conosco nossas experiências profissionais, afetivas, religiosas e existenciais. Na medida em que recordávamos conceitos clássicos acerca de alguns campos do conhecimento íamos formando nossos próprios conceitos e descobrindo a possibilidade de outros ainda em fase de gestação. Foi assim que começamos e enxergar o futuro como possibilidades e não como determinação. Sobre o amparo e a proteção do gigantesco guarda- chuva de Identidade e Gênero aprendemos novos conceitos sociologicamente aceitos, tais como; tolerância, coexistência, alteridade... Foi fácil assimilar estes conceitos porque eles traduzem a maneira que nós nos relacionávamos na universidade. Ainda lembro-me da descoberta destas palavras, as quais em outros tempos, Jesus chamou de caridade, compaixão, misericórdia, paciência, perdão e solidariedade. Quero e devo testemunhar que mesmo nos ambientes religiosos dificilmente existe um grupo no qual se vive caridade, compaixão, misericórdia e solidariedade como na nossa turma. Caridade é o nome bíblico do amor. Onde existe caridade Deus ai está!
Mas hoje chegou para nós a hora do adeus e acabei de constatar que há certas coisas que eu tenho muito que aprender. Ah! Deus, quem diria que este momento fosse chegar para nós? Foram muitos os nossos colegas que desistiram no inicio e outros que foram ficando pela estrada durante a caminhada. A minha vida de nômade de Deus, tem me levado por vários lugares e neles encontrei a oportunidade de conhecer varias pessoas. Vivo dizendo adeus a estas pessoas e os lugares por onde passei para ir em busca de outros mundos. O quanto amei ou deixei de amar, tudo isto eu sei, eu só não sei, se um dia haverei de aprender dizer adeus. Pensando bem, a nossa vida é um prolongado adeus. Todos os dias quando acordo não tenho mais o tempo que passou, diz a letra da canção; Tempo Perdido, de autoria do cantor e compositor Renato Russo. Por isso, todos os meus olhares são de adeus, disse Mario Quintana.
Eu da turma dos Novos Bárbaros, me recuso dizer adeus para meus colegas de Estudos Culturais. Ao invés de dizer adeus, quero homenageá-los com este texto de Fernando Sabino: Se em horas de encontros pode haver tantos desencontros, que à hora da separação seja, tão somente, a hora de um verdadeiro, profundo e coletivo encontro. De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estamos começando, a certeza de que é preciso continuar e a certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo, fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro. Fica a promessa do reencontro... Fica o desejo de boa sorte... Fica a vontade de que lutes e venças.
Obrigado senhores, obrigado senhoras pela doce presença da compaixão, misericórdia, solidariedade e amor. Obrigado por serem amor! Deus é amor, por isso é que se diz; os amigos são Deus que cuida de nós. Estamos no mundo para cuidarmos uns dos outros.




José Andrade

“[...] Nem todo errante é sem propósito, especialmente aquele que busca a verdade além da tradição, além da definição, além da imagem” (narração de Betty aluna da professora Watson da Universidade de Wellesley).

O Sorriso de Monalisa, consegue passar sutilmente por substratos ideológicos marcantes, como Bergson, Nietzsche, Freud e Marx e fatos históricos como a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, que marcaram profundamente o século XX, consequência viva e expressa disso foram as vanguardas, que tentaram chamar a atenção por meio da arte, mostrando a perplexidade do mundo contemporâneo, que no uso didático e em uma perspectiva metodológica engloba o ensino, e o conhecimento por parte dos alunos de algumas obras, por meio de ilustrações em livros didáticos e reproduções dessas obras levadas pelo professor para a sala de aula, fazendo com que impere a reflexão, de maneira dinâmica a respeito das correntes estéticas de Vanguarda na Europa, como: futurismo, expressionismo, cubismo, dadaísmo, fauvismo, abstracionismo e o surrealismo, que vêem desvelar os sentimentos humanos, expressando as angústias que caracterizavam psicologicamente o homem no início do século XX.
Dessa forma, no contexto cinematográfico, o objetivo de Katherine no filme, está dirigido para gerar um pensamento e uma ação independente nas alunas e levá-las a se interessarem vivamente pela arte e, por meio desse interesse, construírem a si mesmas enquanto cidadãs críticas e que se posicionam sobre o que está ao seu redor, em vez de seguir padrões estabelecidos. Incomodada com o conservadorismo da sociedade e do próprio colégio que trabalha e preocupada com a posição social que as jovens ocupam nessa sociedade, Katherine decide lutar contra as normas e em prol de uma reflexão por parte dessas mulheres, passando a inspirar as alunas a enfrentarem os desafios da vida, passando a um processo de interação, descobertas e redefinições.
Sendo este um filme sobre mulheres, ratifica-se que elas desempenham papéis fundamentais na trama. Nancy Abbey, sintetiza o papel social da mulher da época, representa uma personagem socialmente adaptada e perfeita, preocupada em parecer uma figura perfeita do ponto de vista dos valores sociais. Contudo, seu personagem cai por terra e se mostra incapaz de tomar para si um sentido para o momento. Já a enfermeira Amanda, protagonista da história, é uma mulher forte, firme e objetiva e traz dois temas polêmicos à tona: o homossexualismo e o uso da pílula. A temática da contracepção, aliás, será um dos temas discutidos durante o filme, e que apresenta-se em momento oportuno em sala de aula como um conteúdo a ser trabalhado, por meio de debates com os alunos. Lembremos que o uso da pílula aprovada de forma formal pelo FDA, órgão norte-americano controlador do medicamento, em 1957, gerou inúmeras polêmicas nos EUA e no mundo ocidental.
A personagem Joan Brandwyn, representa a possibilidade da mulher sair do seu papel de agente passivo para agente ativo de uma sociedade tão conservadora. Joan consegue sair da sua posição, e tomar sua própria decisão: faz inscrição e é aceita pela faculdade de Direito, entretanto, abre mão da sua carreira para viver sua vida conjugal. Mas o importante é que ela faz uma escolha, e nela, é livre. Betty Warren, por pressão da família e pressão social casa-se e acaba por constatar que o casamento não é garantia de segurança social e muito menos de felicidade. Já Giselle, por sua vez, é uma moça liberal que se apaixona por homens mais velhos, representa uma personagem forte que foge dos padrões da época. Pode-se perceber uma simbologia feita pelo filme, quando Giselle, através da cena que aparece em frente ao espelho, tenta se comparar à professora Watson. Neste sentido, o espelho refere-se à função reprodutiva e refletora do pensamento, além de representar o símbolo da feminilidade.
A arte questiona, a professora também. A arte causa impacto e desconcerto, a professora também. Assim, visiona-se que Katherine, a professora revolucionária de História da Arte, apresenta-se no filme como uma professora de vanguarda, pois, era uma mulher que estava à frente do seu tempo, com seus pensamentos e ideais.
Ao considerar um dos trechos do filme, referenciado no início do comentário, em que o erro não é sem propósito, quando se busca a verdade além do que é concebido como verdadeiro e definitivo, tem-se que a maneira como o cinema trata o feminino é muito mais fruto das convenções, é muito mais cultural do que técnica, pois as imagens dominantes da mulher nos filmes são constituídas pelo e para o olhar masculino. Atrelado a isso, de modo geral, o personagem feminino nos filmes é fortemente marcado por traços misóginos, a função que cabe às mulheres na sociedade, tendo como papel casar-se, cuidar do marido e dos filhos, amando-o incondicionalmente.
A maioria dos filmes apresenta as mulheres como dependentes e incapazes de tomar decisões acertadas (sobretudo em situações de perigo); estão sempre em busca do complemento masculino, cuja presença, além de significar realização pessoal, sugere segurança e proteção. São incontáveis os filmes em que o herói aparece no momento-chave para livrar a amada das garras de um agressor, diferentemente do propósito de “mudança” proposto em “O Sorriso de Monalisa”.
O nome dado ao filme: “O Sorriso de Monalisa”, fazendo referência ao quadro pintado por Leonardo Da Vinci, quadro que passa por diversas discussões a respeito de quem ou a que o pintor teria se inspirado, no filme tem papel primordial, quando é enfocada a seguinte questão: a mulher pintada no quadro estaria alegre ou não? Com base nessa pergunta é possível refletir também se aquelas mulheres, que estudavam no colégio Wellesley e direcionavam seus valores, suas vontades, suas vidas para o casamento, a casa, o marido e os filhos, eram mesmo felizes como diziam ser ou como esperavam ser. Que ideal de vida as sustentavam? Esse ideal e a formação que elas obtinham, permitia que as mesmas construíssem sua própria identidade, sua própria personalidade?
Outra nuance que o filme trata, é a questão do professor como ser enigmático para seus alunos, a questão do olhar do aluno para o professor, ou seja, as curiosidades que os alunos têm em relação à vida do professor, “enigmas” como: quem é esse professor, de onde ele vem, o que ele quer, ele é solteiro, casado, têm filhos, o que gosta de fazer, etc.), questões que despertam curiosidades nos alunos, uma temática que pouco ou nada é pesquisada.
Assim, a projeção do filme “O Sorriso de Monalisa”, constituiu a tentativa de sintetizar algumas das possibilidades de uso do cinema na sala de aula e na possibilidade de propiciar que professores e alunos descubram outras tantas, tendo em vista, principalmente, que a emancipação das mulheres foi uma das maiores realizações do século XX, pois essa abordagem é pouca em sala de aula, sinal de que ainda há muito espaço e trabalho pela frente para que elas realmente possam se perceber como autênticas parceiras dos homens no comando das ações nesse planeta.


José Andrade

Paulo Cardoso, meu amigo, faleceu as 17 h do dia 14 de julho no Hospital de Boa Viagem em Recife-PE. Foi sepultado no dia seguinte ao do seu falecimento em Surubim-PE, cidade onde mora seus familiares. Paulo era uma destas pessoas que vale a pena a gente conhecer. Passou a vida aqui na terra cuidando das pessoas. Lembro-me dele dizer, quando eu ficava até tarde no computador; "Ei mocinho, vá já dormir!” Quando eu estava em off ele dizia; "Eu sei que você está ai." Ontem ele foi embora cedo demais. Eu sei que meu amigo está no céu. Que Deus o acolha e cuide dele com o mesmo carinho com que ele cuidou da irmã, do pai, dos sobrinhos órfãos, da mãe viúva, dos amigos e dos irmãos que agora choram por conta da sua ausência. Reze por ele.


José Andrade

Ficha Técnica: ESCRITORES DA LIBERDADE (Freedom Writers, EUA, 2006) Direção e Roteiro: Richard LaGravenese, baseado no livro best-seller “Diário dos Escritores da Liberdade”.
Elenco: Hilary Swank, Patrick Dempsey, Imelda Stauton, Scott Glenn, April Lee Hernandez, Escritores da Liberdade.
Produção Executiva: Hilary Swank.
Drama, 122 minutos, Paramount Filmes, Cor.

Compreender, eu diria, é saber que o sentido poderia ser outro. (ORLANDI, 1993, P. 116 in Discurso e Leitura)
Richard laGravenese, já conceituado roteirista, atuante em “Volta Por Cima” e as "Pontes de Madison", dá muita relevância à escolha cuidadosa das músicas que compõem a trilha sonora de seus filmes. Neste, especialmente, escolheu o compositor WiII (will.i.am) de "Black Eyed Peas", Mark Isham. Will compõe a batida do hip hop, que ouvimos, logo no início do filme, e que ilustra a relação desse novo gênero musical, inspirado nas gangues dos anos 90, nos EUA, reproduzindo efeitos da intensidade dos conflitos e da violência entre os jovens desses grupos.
Mark Isham entra com o som de orquestra, permeando a batida forte do hip hop, querendo ilustrar, não só as diferenças entre os jovens estudantes e a professora, como também a imposição desse convívio e a necessidade de interação dessas presenças, tão heterogêneas, entre pólos tão distantes.
Os solos de violino de Miri-Ben-Ari, musicista conceituada, suaves e marcantes, sombream algumas cenas, como pano de fundo, necessário à expressão da vida interior de alguns personagens e de conflitos existenciais que surgem e coexistem nas vidas dos estudantes, acentuadamente, a, também, na vida da professora, à medida que vai crescendo profissionalmente. A trilha sonora, especialmente importante pare este diretor e roteirista, reforça os tumultos em sala de aula, freqüentes, devido à segregação dos diversos grupos étnicos entre si. Confirma os efeitos emocionais do reflexo da violência das ruas, que passam a disputar territórios, com uso de extrema violência entre os jovens. Gangues de negros, latinos, asiáticos, brancos, se formam e vivem um apartheid americano de várias cores, raças, culturas, linguagens e procedências. Nesse caldeirão migratório de Los Angeles, em Long Beach, a Secretaria da Educação implanta nas escolas o projeto de integração, juntando, numa mesma sala de aula, jovens, pertencentes a grupos diferenciados, às gangues, que se fortalecem, através do uso da agressão e da hostilidade entre 54, proclamando orgulho, vaidade e honra, desta forma julgando defenderem suas origens e sobrevivência. “Escritores da Liberdade” acontece, nesse contexto, onde tudo, entretanto, ou quase tudo, se desenrola na escola.
O diretor se apoiou na história de Maria Reyes, da personagem Eva, expandindo-se e tocando nos outros tantos dramas, semelhantes, dos outros relatos dos diários.
Entretanto, o foco da narrativa está no desempenho de Erin Gruwell, a professora que, para conseguir se impor àqueles grupos, sendo-lhes estranha também porque branca, culta e professora, pelas diferenças gritantes, portanto, rejeitada pelos estudantes, cria estratégias pedagógicas e afetivas de aproximação, não só para conscientizá-los da semelhança de suas histórias e de suas perdas e buscas, como da necessidade da aprendizagem escolar para se sentirem não inferiores, focando na auto-estima de cada um e no interesse coletivo.
Criando meios para que se olhem como iguais, através do reforço de suas histórias, a professora Erin oferece-lhes leitura de temas próximos às suas experiências e consegue que se "vejam" e que se considerem um novo grupo. Aproxima-se, quando mostra sua fragilidade, pois é judia e, na época nazista, excluída e perseguida nas suas origens.
Os exercícios de língua e redação - inglês básico - se deslocam para leitura de livros e escritura de suas próprias experiências, agora compartilhadas. Além de livros, compatíveis com suas vivências pessoais e coletivas, que lhes trazem conhecimento, desenvolvem a escrita, e, principalmente, os afastam das antigas gangues, das ruas, pois os unem como um novo grupo, em torno de uma nova busca por direitos e espaço ria escola e na vida.
A professora quebra barreiras institucionais, levando o produto de seu trabalho com os alunos para autoridades educacionais avaliarem, já que encontra resistência, indiferença e é segregada pelos colegas e diretores, que a rotulam e a quando uma das gangues invade a escola e os alunos se agridem fisicamente no pátio.
A personagem da professora Erin Gruwell, interpretada por Hilary Swank, atriz ganhadora de dois Oscars (Meninos não Choram e Meninas de Ouro), intérprete principal em "Menina de Ouro” valoriza a aparência física frágil da personagem e o jeito dócil que, apesar da pouca experiência como professora, cresce, fazendo brotar, na interrelação de sala de aula, força de persuasão e compreensão da realidade opressora vivida por aqueles jovens. Assim fez, também, com a menina, aparentemente, frágil de seu personagem, que se transforma na boxeadora tenaz e vencedora, em "Menina de Ouro".
Em "Escritores da Liberdade" essa força não é física, mas de caráter, resistindo a tudo e a todos, no sentido de ajudar seus alunos e perseverando .em seu propósito.
Patrick Dempsey, ganhador do Globo de Ouro, em "Grey's Anatomy", contracena com Hilary Swank, encarnando o marido que se abriga na "aparente" fragilidade da mulher para não se lançar em grandes projetos. Quando, porém, percebe o amor, a dedicação e, principalmente, os resultados visíveis da atuação da esposa, não consegue ser cúmplice desse sucesso, entrando em conflito com seu papel na relação a dois. Não se identifica com o projeto de vida de Erin, preferindo sair da relação.
Com características peculiares especificas de época, como alguns outros filmes como "Ao Mestre Com Carinho", "Sociedade dos Poetas Mortos" e "Conrack", enfoca a problemática da escola, face à relação professor versus aluno, na mediação ensino/aprendizagem, como espelho da realidade sócio-histórico-cultural, onde a escola está inserida, e o rigor e/ou conservadorismo de escolas e professores mais antigos) que não querem abrir mão de suas posturas cristalizadas e de seus status que, já garantidos pelos anos de experiência adquiridos.
O drama dos conflitos étnico-raciais, chegam ao seu clímax de tensão e violência urbana na Califórnia, EUA, nos anos 90, penetrando no espaço da escola, onde as contradições da sociedade pluricultural e o diacronismo das instituições educacionais se acirram e se refletem nas relações interpessoais entre alunos versus alunos; professor versus alunos; alunos versus instituição; professor versus instituição Choque cultural, injustiça e contradições sociais, numa sociedade muito diferenciada, geram segregação de todos os lados, inclusive dentro das minorias, seus alunos como incapazes, inferiores, desacreditando de seu trabalho e deles, como pessoas e estudantes.
O grupo cria vínculos em torno de interesses comuns; consegue se organizar e viajam. Trazem pessoas importantes, à escola, para palestras, com relatos de experiência de vida, correlatas a seus trabalhos escolares: a mulher, senhora, agora, de 90 anos, que abrigou Anne Frank no nazismo. Agora se "pertencem" e se reconhecem uns aos outros. Querem ficar juntos. Fazem seus diários. Compilam suas histórias: são uma família. Respeitados, conseguem permanecer nos anos seguintes, do ensino médio, na mesma turma e com a mesma professora. O livro com seus relatos, diários de suas vidas realizados através de exercícios de redação, é publicado com o título “Escritores da Liberdade”, em 1999.
O diretor, embora tenha incluído na narrativa do filme a separação da professora Erin de seu marido e a resistência de seu pai, interpretado por Scott Glenn, à aceitação de seu empenho a uma profissão tão pouco remunerada e de pouco prestígio social, não se detém em detalhes, apenas colocando-os como reforço a mais uma forma de segregação de gênero-mulher e profissional¬ professora.
Vale a pena considerar a movimentação da câmera, pois ela organiza o quadro cênico, enfatiza personagens ou objetos, guia o nosso olhar. O ponto de vista e o enquadramento por ela realizado são significantes que geram significados, guiados pelo cameraman, sob a batuta do diretor para atingir o efeito desejado. A paisagem (da câmera) que cria não é livre de significados. É uma janela que permite ver ou não ver como e o que conta determinada história. Assim, no mundo fílmico, tudo "conta". Tudo significa. À medida que o drama vai se solucionando, sob o ponto de vista do diretor e da professora, ou seja, que os conflitos intergrupais vão se amenizando, a sala de aula, cenário ambiente, vai se organizando: as carteiras se perfilam; há vasos de flores nas janelas e os objetos vão se rearrumando, numa nova ordem. Os jovens alunos também mudam suas aparências: cabelos arrumados e com cores uniformes. As tomadas são enquadradas, pela câmera, em plano médio, simultaneamente ao "enquadramento" à organização pretendida de suas vidas.
O foco narrativo é subjetivo, pois é o diário da personagem Eva que ela mesma narra e que conduz a história. Entretanto, a escolha desse personagem narrador é do diretor. É seletiva.
A professora está ou não está "vestida de professora", com seu "ingênuo" colar de pérolas, porque as linguagens importam e importam muito na relação emissor/receptor. Ela se veste como professora - cria sua identidade, o que a distingue pertencer a um determinado grupo. O figurino, portanto, é expressivo, pois envia mensagens e reforça as identidades dos personagens: os jovens dos anos 90 e pertencentes a ghetos ou gangues, de classe social baixa, como no filme, vestem-¬se, cortam e pintam seus cabelos, caracterizadamente, num estilo próprio.
Há um código que se expressa "silenciosamente" (?), através dessas marcas: os rapazes usam bonés ou toucas de meia na cabeça; os bonés são virados. Observe-se a turma dos alunos especiais, do 3° ano, maioria branca: cores suaves; predominância dos tons pastéis. Cabelos arrumados.
O filme se passa na sala de aula, quase totalmente: percebe-se que a intenção seja delimitar a amplitude da problemática pluriracial e pluricultural, delimitando-se o espaço do questionamento à sala de aula. Embora polemize a segregação, em vários aspectos, nem o diretor e, provavelmente, nem o livro, aprofundam discussões em torno das causas dessa segregação, numa sociedade de consumo, capitalista, a sonhada Terra Prometida, cujo modus operandi destrata, separa-se desses grupos diferenciados, que migram para os EUA, em busca de melhores condições de vida e vivem apartados da riqueza e da pujança americanas.
As técnicas, recursos e instrumentos, utilizados pelo cinema, como sétima arte, moldam o filme e formatam mensagens que passam pelo crivo do diretor ou do sistema que produziu a obra, criando meios para fixá-las no receptor de tal ou qual forma.
Em nenhum momento, implícita ou explicitamente, foi feita alusão à hegemonia político-ideológica; ético-moral ou econômico-financeira da sociedade americana, seu “american way of life" impost, ao mundo ocidental ou ocidentalizado.
Questionou-se de maneira ético-moral a segregação, a violência, a existência de grupos que se hostilizam, externa elou internamente, mas sob o olhar da professora Erin, o discurso em que os professores ganham mal, são desvalorizados, se ratifica, no filme, então, na justificativa de que, por isso, são indiferentes, desinteressados. Que por isto, não se "esforçam" para mudar as coisas, sem menção/consideração ao que conduz a essa condição.
Para "solucionar" os impasses e contradições institucionais dentro da escola, a professora consegue outros trabalhos, abre mão de sua vida familiar e do próprio marido. Quebra hierarquias. Consegue "furar" o cerco dos órgãos institucionais para que, alguns daqueles, alunos cheguem à universidade, tendo oportunidades de adquirirem um melhor ensino. O esforço individual, a perseverança, a persistência ¬motes do "progresso" americano, mais uma vez, oculta, para fora do debate, a questão do domínio e da invasão imperialista que se propaga e consolida valores ideológicos como vaidades absolutas. Não questiona a presença de imigrantes de todos os lugares do mundo, nos EUA: suas diferenças que precisam ser mantidas, pois diferenças culturais não podem ser apagadas. Desvia o foco das gangues - o por que de sua formação, o por que de sua violência, para uma questão já amplamente discutida, a dos judeus, embora também, segregacionista.
Que os grupos precisam se fortalecer e se tornarem coesos em torno de um objetivo maior, é claro que sim. Mas somente o imperialismo nazista causou segregação e morte; genocídios? E o Vietnam? Hiroshima e Nagasak? E a invasão do Iraque? Como vivem os grupos latinos, diferenciados, fugidos da miséria dos países subdesenvolvidos ou "emergentes", hoje, nos EUA e na Europa? Este ponto gera polêmica porque suscita discussões e interpretações ambíguas. E explicações comprometidas e privilegiadas.
O que se vê na realidade escancarada do mundo contemporâneo e no entrelaçamento de interesses de governos e nações, não são sucessos individuais, com varinhas mágicas, apaziguando grupos de conflito. Vide Israel e o mundo palestino; judeus e muçulmanos. Considere-se á alçada ao poder do presidente Obama, 1º presidente negro dos EUA. Em que circunstâncias isso foi possível? Qual o desgaste provocado pela derrocada do marketing político de Bush e sua gestão, embora com altos ganhos econômicos e financeiros para os EUA?
Embora de coerência estrutural interna satisfatória, "Escritores da Liberdade" não satisfaz nem se tratando de buscar novas soluções para os impasses e contradições que vivem hoje as escolas, impedidas de cumprir seu mínimo papel - o do ensino, já que espelham os conflitos, os jogos de interesses de um mundo caótico, voltado para o individualismo, o lucro financeiro e o lema de se dar melhor em tudo, individualmente.
Também não satisfaz porque não discute as migrações, a utilização extorsiva da mão-de-obra de grupos minoritários, mal pagas em qualquer lugar do mundo, porque não qualificada (ausência da escola e de um ensino técnico de qualidade), principalmente em seus países de origem. A miséria, a violência, o desemprego, a destruição da natureza; o direito e a possibilidade de ser diferente e ter acesso aos bens, no mínimo básicos, produzidos pelo Homem.















José Andrade

Sei que o texto é longo, mas vale um post e uma leitura. Falar do meu amor pela obra clariceana é desnecessário, pois, aqueles que me conhecem, sabem que não saio de casa sem um livro de Clarice Lispector. Quando li esse conto pela primeira vez contava com pouco mais de 13 anos, mas entendi bem sua mensagem. O texto foi apresentado por um amigo que se despediu da minha vida tal qual o personagem do conto. Assim, dedico esse post aos amigos que permanecem nutrindo a certeza de que "somos amigos, amigos sinceros.
Não é que fôssemos amigos de longa data. Conhecemo-nos apenas no último ano da escola. Desde esse momento estávamos juntos a qualquer hora. Há tanto tempo precisávamos de um amigo que nada havia que não confiássemos um ao outro. Chegamos a um ponto de amizade que não podíamos mais guardar um pensamento: um telefonava logo ao outro, marcando encontro imediato. Depois da conversa, sentíamo-nos tão contentes como se nos tivéssemos presenteado a nós mesmos. Esse estado de comunicação contínua chegou a tal exaltação que, no dia em que nada tínhamos a nos confiar, procurávamos com alguma aflição um assunto. Só que o assunto havia de ser grave, pois em qualquer um não caberia a veemência de uma sinceridade pela primeira vez experimentada.
Já nesse tempo apareceram os primeiros sinais de perturbação entre nós. Às vezes um telefonava, encontrávamo-nos, e nada tínhamos a nos dizer. Éramos muito jovens e não sabíamos ficar calados. De início, quando começou a faltar assunto, tentamos comentar as pessoas. Mas bem sabíamos que já estávamos adulterando o núcleo da amizade. Tentar falar sobre nossas mútuas namoradas também estava fora de cogitação, pois um homem não falava de seus amores. Experimentávamos ficar calados — mas tornávamo-nos inquietos logo depois de nos separarmos.
Minha solidão, na volta de tais encontros, era grande e árida. Cheguei a ler livros apenas para poder falar deles. Mas uma amizade sincera queria a sinceridade mais pura. À procura desta, eu começava a me sentir vazio. Nossos encontros eram cada vez mais decepcionantes. Minha sincera pobreza revelava-se aos poucos. Também ele, eu sabia, chegara ao impasse de si mesmo.
Foi quando, tendo minha família se mudado para São Paulo, e ele morando sozinho, pois sua família era do Piauí, foi quando o convidei a morar em nosso apartamento, que ficara sob a minha guarda. Que rebuliço de alma. Radiantes, arrumávamos nossos livros e discos, preparávamos um ambiente perfeito para a amizade. Depois de tudo pronto — eis-nos dentro de casa, de braços abanando, mudos, cheios apenas de amizade.
Queríamos tanto salvar o outro. Amizade é matéria de salvação.
Mas todos os problemas já tinham sido tocados, todas as possibilidades estudadas. Tínhamos apenas essa coisa que havíamos procurado sedentos até então e enfim encontrado: uma amizade sincera. Único modo, sabíamos, e com que amargor sabíamos, de sair da solidão que um espírito tem no corpo.
Mas como se nos revelava sintética a amizade. Como se quiséssemos espalhar em longo discurso um truísmo que uma palavra esgotaria. Nossa amizade era tão insolúvel como a soma de dois números: inútil querer desenvolver para mais de um momento a certeza de que dois e três são cinco.
Tentamos organizar algumas farras no apartamento, mas não só os vizinhos reclamaram como não adiantou.
Se ao menos pudéssemos prestar favores um ao outro. Mas nem havia oportunidade, nem acreditávamos em provas de uma amizade que delas não precisava. O mais que podíamos fazer era o que fazíamos: saber que éramos amigos. O que não bastava para encher os dias, sobretudo as longas férias.
Data dessas férias o começo da verdadeira aflição.
Ele, a quem eu nada podia dar senão minha sinceridade, ele passou a ser uma acusação de minha pobreza. Além do mais, a solidão de um ao lado do outro, ouvindo música ou lendo, era muito maior do que quando estávamos sozinhos. E, mais que maior, incômoda. Não havia paz. Indo depois cada um para seu quarto, com alívio nem nos olhávamos.
É verdade que houve uma pausa no curso das coisas, uma trégua que nos deu mais esperanças do que em realidade caberia. Foi quando meu amigo teve uma pequena questão com a Prefeitura. Não é que fosse grave, mas nós a tomamos para melhor usá-la. Porque então já tínhamos caído na facilidade de prestar favores. Andei entusiasmado pelos escritórios de conhecidos de minha família, arranjando pistolões para meu amigo. E quando começou a fase de selar papéis, corri por toda a cidade — posso dizer em consciência que não houve firma que se reconhecesse sem ser através de minha mão.
Nessa época encontrávamo-nos de noite em casa, exaustos e animados: contávamos as façanhas do dia, planejávamos os ataques seguintes. Não aprofundávamos muito o que estava sucedendo, bastava que tudo isso tivesse o cunho da amizade. Pensei compreender por que os noivos se presenteiam, por que o marido faz questão de dar conforto à esposa, e esta prepara-lhe afanada o alimento, por que a mãe exagera nos cuidados ao filho. Foi, aliás, nesse período que, com algum sacrifício, dei um pequeno broche de ouro àquela que é hoje minha mulher. Só muito depois eu ia compreender que estar também é dar.
Encerrada a questão com a Prefeitura — seja dito de passagem, com vitória nossa — continuamos um ao lado do outro, sem encontrar aquela palavra que cederia a alma. Cederia a alma? Mas afinal de contas quem queria ceder a alma? Ora essa.
Afinal o que queríamos? Nada. Estávamos fatigados, desiludidos.
A pretexto de férias com minha família, separamo-nos. Aliás ele também ia ao Piauí. Um aperto de mão comovido foi o nosso adeus no aeroporto. Sabíamos que não nos veríamos mais, senão por acaso. Mais que isso: que não queríamos nos rever. E sabíamos também que éramos amigos. Amigos sinceros.
("Felicidade Clandestina", 1998)


José Andrade

Eram brancas as paredes, todas eram brancas como se fosse neve, sem exceção alguma. O céu que cobria o dia era de um azul quase antes nunca visto nem no céu e nem na terra. Deslumbrante o altar da Virgem Maria! A luz vinda do jardim, penetrava por entre as celas derramando-se quase por inteira no claustro marcado pelos últimos passos de um homem que na sua agonia plantou a flor das horas de cada dia. A janela descortinando o horizonte onde a fé foi preservada pelos séculos sem fim nos aponta a direção de onde vêm às vozes que são ouvidas pelos serafins, querubins. Vozes de além terra, nuvem, mar, vindas de quem traz nas mão flores de jasmins para ofertar a manhã que traz o dia sem fim, sem tarde e sem amor. Livrai-nos benditos de Deus, vós que gastais a vida sobre as horas que passam no paço e no claustro deste convento. Livrai-vos e livrai-nos da liberdade sem liberdade. Pelas horas que passam livrai-nos e livrai-me de mim.


José Andrade

As palavras trazidas pela ventania é flecha, arco e lança cravejados nos meus tímpanos e depois no peito, nos meus braços, nas minhas pernas, me mobilizando, me paralisando todo por dentro. Ao invés do grito, do gemido, do horror, da dor, veio o silencio, a paz interior, a resignação, a aceitação, o sorriso para que o mais infeliz dos errantes se sentisse acolhido e compreendido por mim. E eu, quem haveria de me compreender se nem eu mesmo sei por que me sentia assim como um pássaro ferido em pleno vôo?


Carlos Drummond de Andrade

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste


Charles Chaplin

Sorri quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios,

Sorri quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador

Sorri quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados doridos

Sorri vai mentindo a sua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz




Um poema de José Andrade

Por que as revelações vindas do céu dos meus pensamentos me deixaram internamente abatido, esmorecido, vencido, inerte e resignado a um lugar sombrio e melancólico? Na noite calma e mansa da cidade, uma luz apagou-se dentro de mim, uma voz calou-se, talvez para sempre, talvez apenas por um minuto. Estou resignado ao lugar daqueles que amam, dos que ousam arriscar-se, dos que se ocupam de viver. Sim, porque viver é arriscar-se a semear na escuridão da terra arida do deserto das meias verdades.

Não foram os espinhos da estrada, nem os paralepipedos da calçada que feriram-me os pés. Foram os revezes de cada momento, principalmente dos que não se apagam e ficam gravados a ferro e a fogo no memorial da minha vontade. Ergo os braços em vão, enquanto o chão se dilui em sonhos. A vida vai me sumindo, me enganando, me desarrumando e me decifrando como se eu fosse um mapa marítimo. Feri-me, feriram-me mãos e pés, enquanto eu debalde lutei comigo, tentando livrar-me de mim.




Um poema de José Andrade

 Não precisava ninguém dizer nada, o sol já era tudo. O olhar, quase atropelado pelo pensamento, conferia a beleza de cada folha, de cada flor, de cada cor com as quais as casas foram pintadas, formando uma verdadeira aquarela. O pensamento, levado pelo vento, voltou ao passado, contrariando os que dizem que “é para frente que se anda”. Nossos pés andam para frente enquanto o nosso pensamento anda para a trás. Pensei, voltei e não me arrependo. Ao lugar a que voltei, qualquer um voltaria; mas, chegar aonde cheguei, quero ver quem chegaria.
Cheguei e caminhei pelas ruas largas, sem nenhum vestígio das horas amargas que ficaram presas entre as frestas dos instantes, que se perderam no sucumbir dos sonhos. Na minha frente, a praça se estende diante dos meus olhos, como um leito, onde dorme e sonha a minha felicidade. Pombal, minha terra querida, minha cidade amada, cada átomo de tua poeira, sou eu, vicejante no teu solo fértil, como o coração dos que foram gerados no teu ventre bendito.
Nesta praça ainda dorme minha inocência de menino; nos teus canteiros, semeei minha esperança; sob a sombra de tuas árvores, descansam as alegrias da feira de sexta-feira. Minha alegria permanece sentada nas lanchonetes, à espera do vento, que balança o chão da praça. Fico balançado pelo passado, que insiste em separar-me de ti. Pombal dos meus doces sonhos, dos meus momentos tristonhos, tu vais comigo, pelo mundo afora. Quando penso que estou distante, te encontro sempre a minha espera, nas esquinas por onde vão meus passos.


Mário Quintana

Eu amo de um amor que jamais saberei expressar essas pequenas ruas com suas casas de porta e janela, ruas tão nuas, que os lampiões fazem ás vezes de álamos com toda a vibratividade dos álamos, petrificadas nos troncos imóveis de ferro, ruas que me parecem tão distantes e tão perto há um tempo que eu as olho numa triste saudade de quem já tivesse morrido, ruas como as que agente vê em certos quadros, em certos filmes: meu Deus, aquele, reflexo á noite, nas pedras irregulares do calçamento, ou a ensolarada miséria daquele muro ao perder o reboco... para que eu vos ame tanto assim, minhas ruazinhas de encanto e desencanto,e que expressais alguma coisa minha ... só para mim...


José Andrade
Por traz do universo das palavras onde à liberdade é preservada existe um lugar onde eu sempre te encontro. Às vezes durante a noite, outras vezes durante o dia, mas nele tu repartes comigo teu sonho cristalizado numa gota de orvalho irreverente ao calor e a devastação do tempo. Tu que habitas um mundo inacessível para além dos confins de outros mundos, onde dormem os poemas. Trazei teu bom conselho para que eu mim guie nas fendas da poesia que jaz adormecida em teu peito. Desperta poeta, desperte a régua e o compasso com os quais traçaras rimas e versos umedecidos com lagrimas que banharão tua face. O orvalho das manhãs por vezes será a tinta com a qual escreverás teus poemas.

Na escuridão da noite morna, salpicada pelas luzes do paço da cidade, eu passo pelo calçadão da Praia de Atalaia, caminhando em desalinho num compasso ritmado dos teus passos como métrica de um poema declamado pelas ondas do mar aberto. Alinhado ao que guardas no escaninho da alma de menino, quase meu conterrâneo e poeta, caminhas já próximo da tua chegada. Artífice da palavra fácil, livre, solta que ainda dorme no teu peito. Abri as portas do teu castelo interior e deixai que elas saiam pela tua boca e pelas tuas mãos. Deixai-as livres a brincar e a rolar na areia formando o castelo onde cada esperança é preservada. Deixai que o teu universo poético possa ser descoberto por quem gosta de poesia e por quem dela precisa.