Um poema de José Andrade

Por que as revelações vindas do céu dos meus pensamentos me deixaram internamente abatido, esmorecido, vencido, inerte e resignado a um lugar sombrio e melancólico? Na noite calma e mansa da cidade, uma luz apagou-se dentro de mim, uma voz calou-se, talvez para sempre, talvez apenas por um minuto. Estou resignado ao lugar daqueles que amam, dos que ousam arriscar-se, dos que se ocupam de viver. Sim, porque viver é arriscar-se a semear na escuridão da terra arida do deserto das meias verdades.

Não foram os espinhos da estrada, nem os paralepipedos da calçada que feriram-me os pés. Foram os revezes de cada momento, principalmente dos que não se apagam e ficam gravados a ferro e a fogo no memorial da minha vontade. Ergo os braços em vão, enquanto o chão se dilui em sonhos. A vida vai me sumindo, me enganando, me desarrumando e me decifrando como se eu fosse um mapa marítimo. Feri-me, feriram-me mãos e pés, enquanto eu debalde lutei comigo, tentando livrar-me de mim.




Um poema de José Andrade

 Não precisava ninguém dizer nada, o sol já era tudo. O olhar, quase atropelado pelo pensamento, conferia a beleza de cada folha, de cada flor, de cada cor com as quais as casas foram pintadas, formando uma verdadeira aquarela. O pensamento, levado pelo vento, voltou ao passado, contrariando os que dizem que “é para frente que se anda”. Nossos pés andam para frente enquanto o nosso pensamento anda para a trás. Pensei, voltei e não me arrependo. Ao lugar a que voltei, qualquer um voltaria; mas, chegar aonde cheguei, quero ver quem chegaria.
Cheguei e caminhei pelas ruas largas, sem nenhum vestígio das horas amargas que ficaram presas entre as frestas dos instantes, que se perderam no sucumbir dos sonhos. Na minha frente, a praça se estende diante dos meus olhos, como um leito, onde dorme e sonha a minha felicidade. Pombal, minha terra querida, minha cidade amada, cada átomo de tua poeira, sou eu, vicejante no teu solo fértil, como o coração dos que foram gerados no teu ventre bendito.
Nesta praça ainda dorme minha inocência de menino; nos teus canteiros, semeei minha esperança; sob a sombra de tuas árvores, descansam as alegrias da feira de sexta-feira. Minha alegria permanece sentada nas lanchonetes, à espera do vento, que balança o chão da praça. Fico balançado pelo passado, que insiste em separar-me de ti. Pombal dos meus doces sonhos, dos meus momentos tristonhos, tu vais comigo, pelo mundo afora. Quando penso que estou distante, te encontro sempre a minha espera, nas esquinas por onde vão meus passos.


Mário Quintana

Eu amo de um amor que jamais saberei expressar essas pequenas ruas com suas casas de porta e janela, ruas tão nuas, que os lampiões fazem ás vezes de álamos com toda a vibratividade dos álamos, petrificadas nos troncos imóveis de ferro, ruas que me parecem tão distantes e tão perto há um tempo que eu as olho numa triste saudade de quem já tivesse morrido, ruas como as que agente vê em certos quadros, em certos filmes: meu Deus, aquele, reflexo á noite, nas pedras irregulares do calçamento, ou a ensolarada miséria daquele muro ao perder o reboco... para que eu vos ame tanto assim, minhas ruazinhas de encanto e desencanto,e que expressais alguma coisa minha ... só para mim...