José Andrade

Da câmara fixa, parada, dos tempos dos Irmãos Lumiére e de George Méliés, passando pela sistematização da linguagem cinematográfica com David Wark Griffith (O nascimento de uma nação, 1914, Intolerância, 1916), o cinema, ao longo de mais de 200 anos sofreu, na sua trajetória, várias transformações em seu estatuto da narração.
Do reinado da arte muda, quando se pensou o cinema ter alcançado a sua essência como linguagem, passando pela introdução do som – que, inegavelmente, modificou a arte do filme, a linguagem cinematográfica recebeu, na sua trajetória, influências da tecnologia, incorporando seus avanços.
Sob outra vertente se encontram as inovações tecnológicas favoreceram a ruptura dos esquemas tradicionais (produtivos e expressivos) e a difusão de usos do cinema que, anteriormente, tinham sidos feitos só em caráter excepcional (as vanguardas históricas e certos momentos heróicos do neorrealismo).
Incorporando os avanços tecnológicos, o cinema conseguiu sair da supremacia da montagem para a profundidade de campo – a invenção das objetivas com foco curto permitiram a um Welles a ousadia de uma renovação estética em Cidadão Kane, ponto de partida da linguagem do cinema moderno.
O fracionamento deu lugar a demoradas incursões da câmera dentro da tomada, permitindo, com isso, maior poder de captar a alma humana nos seus devaneios e nas suas angústias como, também, com Roberto Rossellini, assaltar com a câmera o momento histórico, o instante real.
A instalação da película pancromática (aquela dotada de maior sensibilidade) e a difusão de câmeras mais fáceis de manobrar mudaram a face do cinema e foram fatores que contribuíram para o advento do chamado cinema moderno. A câmera na mão, que veio a facilitar a apreensão da realidade, surgindo o cinema-verité, é uma conseqüência da tecnologia. A película pancromática, por mais sensível, fez com que os realizadores saíssem dos estúdios fechados e se intrometessem, com suas câmeras, nos exteriores mais recônditos, descobrindo, com isso, um cinema mais verdadeiro porque menos artificial.
É possível acreditar que a tecnologia determinou uma evolução da linguagem cinematográfica?
Numa resposta direta poder-se-ia afirmar que evidentemente a tecnologia determina uma transformação da linguagem cinematográfica, ainda que não venha a provocar a revolução estética que se verificou quando da passagem do cinema mudo para o sonoro. A tecnologia encontra-se, por exemplo, hoje, tão evoluída, que provoca no espectador uma impressão de realidade antes impossível de ser verificada. Tem-se a estética cinematográfica quando a técnica se conjuga com a linguagem, instaurando-se, aí, o ato criador.
Segundo Benjamin (1996, p. 186):
A realização de um filme, principalmente de um filme sonoro, oferece um espetáculo jamais visto em outras épocas. Não existe, durante a filmagem, um único ponto de observação que nos permite excluir do nosso campo visual as câmaras, os aparelhos de iluminação, os assistentes e outros objetos alheios à cena. Essa exclusão somente seria possível se a pupila do observador coincidisse com a objetiva do aparelho, que muitas vezes quase chega a tocar o corpo do intérprete [...] A natureza ilusio nística do cinema [...] está no resultado da montagem.
A partir das reflexões benjaminianas sobre o aparelho cinematográfico, pode-se entender que o receptor muitas vezes pode-se afirmar ser sujeito diante da tela de cinema ao se defrontar com experiências de intérpretes que retratam humanitariamente o indivíduo na vida moderna, que tanto solapa a individualidade e causa estranhamento e opressão no cotidiano.
Assim, é imperiosos compreender que se chama de linguagem cinematográfica o conjunto de planos, ângulos, movimentos de câmera e recursos de montagem que compõem o universo de um filme.
Da mesma forma que na linguagem gramatical os substantivos, adjetivos e advérbios exercem funções específicas e são usados da maneira mais inteligível possível (não seremos bem compreendidos se dissermos: muito o quando feliz vi fiquei), os aspectos da linguagem cinematográfica devem ser planejados para se obter a melhor forma de expressão.
Para isso, é preciso ter em conta que cada plano, movimento de câmera, etc., tem um efeito psicológico, um valor dramático específico e exerce seu papel dentro da totalidade que é um filme.
Entretanto, a maioria das pessoas que vai ao cinema recebe uma avalanche de imagens e não se encontra apta a identificá-la enquanto uma linguagem. O que interessa, apenas, é a história, a intriga, o desdobramento das situações – aquilo que se chama de “fábula”. Assim, o espectador comum não percebe que o filme tem uma narrativa e é esta que, por assim dizer, “puxa” a fábula – isto é: a história. Por narrativa se entende a maneira pela qual o realizador cinematográfico manipula os elementos da linguagem fílmica. Ou seja: o conjunto das modalidades de língua e de estilo que caracterizam o discurso cinematográfico.
Assim, na produção de filmes, observa-se a intervenção de um conjunto diversificado de elementos técnicos e equipamentos, em razão de sua importância dos quais no filme “O Bem Amado” destaca-se não somente a argumentação que foi adaptada da uma obra literária brasileira de Dias Gomes, conta a história do prefeito Odorico Paraguaçu, que tem como meta prioritária em sua administração na cidade de Sucupira, a inauguração de um cemitério. De um lado é apoiado pelas irmãs Cajazeiras. Do outro, tem que lutar contra a forte oposição liderada por Vladimir, dono do jornaleco da cidade, entre outros, o campo que compreende tudo o que está presente na imagem: cenários, personagens, acessórios, no qual no referido filme, incluindo aqui o cenário que foi no Nordeste, na qual exigiu não somente um aparato de filmagens locais como que os personagens tivessem um sotaque nordestino –, com falas aceleradas, onde os diálogos atuam como pingue-pongue.
As interpretações – intensas, gritadas e aceleradas, mas as cenas que são divididas em unidades dramáticas e de ação contínua, tendenciam a uma sequência dramática e cômica com unidade de lugar e tempo, que pode ser “coberta” de vários ângulos no momento da filmagem, que envolvem todo o contexto do cenário e produção cinematográfica que lembra a época em que se passa a narrativa.
Os personagens da cena são vistos como caricaturas, sendo que, obviamente, o mais explorado é Odorico, principal ator do filme. E, nesse contexto, pela narrativa da história de inaugurar o cemitério da cidade as cenas do filme se tornam cansativas, o humor vai se dissipando e o resultado final passa a ser pouco satisfatório.
As cenas são montadas para construir a narrativa do filme. A montagem no cinema para o filme “O Bem Amado” consistiu na organização dos planos que envolveu determinadas condições de espaço temporal que envolveu condições de ordem e duração, precedidas de sucessão das tomadas ou planos dentro de uma sequência, com a finalidade de proporcionar uma unidade interpretativa, embora a narrativa da linguagem cinematográfica redunde em cima de um único objetivo: inaugurar o cemitério da cidade de Sucupira.
Na montagem das cenas no referido filme é importante atentar para os discursos mediáticos, uma vez que é o quadro enunciativo que forma a componente simbólica indiscutível, que os interatantes têm que pressupor em comum, para que aquilo que dizem tenha sentido e seja, por conseguinte, compreensível. Bem vistas as coisas, é a maneira como os dispositivos interferem na constituição do quadro enunciativo dos discursos que os utilizam como suporte que distingue propriamente esses discursos das interações discursivas entre interactantes que estão em presença face a face, como na cena vista entre o prefeito e as irmãs cajazeiras, bem como quando busca por um “defunto” em sua conversa com “Zeca Diabo e Dirceu Borbuleta”.
Observa-se, também, que a materialidade verbal na montagem da cena possibilita, através dos papéis desempenhados pelos atores, num quadro enunciativo na constituição do sentido que leva o expectador a pensar que a ocorrência de uma materialidade verbal tem um sentido dentro de um determinado quadro enunciativo, interferindo, através da “fábrica de palavras”, na formação desse quadro, na constituição dos pressupostos da enunciação que os interpretes das cenas têm, dando sentido a esses discursos.