Cecilia Meireles

Narciso, foste caluniado pelos homens,
por teres deixado cair, uma tarde, na água incolor,
a desfeita grinalda do teu sorriso.

Narciso, eu sei que não sorrias para o teu vulto, dentro da onda:
sorrias para a onda, apenas, que enlouquecera, e que sonhava
gerar no ritmo do seu corpo, ermo e indeciso,

a estátua de cristal que, sobre a tarde, a contemplava,
florindo-a para sempre, com o seu efêmero sorriso...


Quinta-feira, 26 de janeiro de 2012, acabou de acabar o segundo tempo das minhas férias. O primeiro foi durante o período de 20 de dezembro a 06 de janeiro e o segundo de 20 a 26 de janeiro. Acabou porque tudo acaba; esta é a lei do nosso destino, este é o destino dos nossos amores e o ritmo da nossa vida. O primeiro instante que começa onde as férias terminam é uma taça usada brindando com o vento o vazio das horas que fugiram pelo túnel do tempo, deixando o rastro da saudade. Coisa que gosto é poder partir, o contrario é voltar quando eu não quero.
Agradeço a Deus pelos encontros e despedias com meus familiares e amigos.  Houve quem me abrigasse em casa e quem viajasse comigo. Todos eles me proporcionaram momentos inesquecíveis. Entre eles, eu agradeço e abraço á Enivaldo, Gustavo, Robson, Nelsinho, Gleydson, Fabiano, Hélio, Jaime, Inês, Geonys, Everton, Hélio, Pe. Júlio, irmãs Imaculatinas, Pe. Silvio, Eliana. Cesar, Victor, Cassinha, tia Dazinha, Itamara, Peter, Jaime, Inês, Josimar, Rodrigo, Nega, Neto, Alexandra, Anderson e ex-paroquianos das paróquias Santa Rita e Jesus de Nazaré em Salvador.
Lamento pelos desencontros com Mabel Velloso, Maria Bethânia, Ricardo, Leandro, Gustavo, Selminha, mesmo  eu sabendo que a vida é a arte do encontro. Há muitos desencontros na vida!
Igualzinho a Fernando Pessoa, eu trago dentro do meu coração, como num cofre que não se pode fechar de cheio, todos os lugares onde estive durante as férias; Salvador-BA, Ribeira do Pombal-BA, Mangue Seco-BA, Imbassaí-Ba, Iara-CE, Juazeiro do Norte-CE, Fortaleza-CE, Praia do Futuro, Canoa Quebrada e Mecejana-Ce.
No dia 21 de janeiro, enquanto eu viajava de Fortaleza para Iara-CE, Victor França, meu amigo, apresentou-me o poema “Dialético” de Vinicius de Moraes.  Sem perder a formula e preservando parte do conteúdo, numa quase perfeita analogia ao poema apresentado, eu quero sinceramente confessar:
“É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que nossa amizade é linda
Nela bendigo o amor das coisas simples
É claro que somos amigos
E tenho tudo para ser feliz
MAS ACONTECE QUE EU SOU TRISTE...”


  
José Andrade

Ultimamente tem chovido bastante em São Paulo, Zona da Mata de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Região Sudeste, o que é comum, durante os meses de dezembro e janeiro. Chuvas de verão! Mas a chuva não vem sozinha, juntamente com ela vêm, raios, relâmpagos, trovões, pancadas de vento, frio, inundações, desabamentos, desespero e morte!
O silencio da noite fria em Taubaté, quero dizer Quiririm, quando Deminho ler esta crônica irá me perguntar se eu moro em Taubaté ao invés de Quiririm. Assim sendo, é melhor eu escrever que, o silencio da noite fria em Quiririm é sufocado pelo barulho da chuva e dos trovões que assombram todos os viventes desta simpática colônia agrícola de imigrantes italianos.
Abro a janela e vejo muita chuva, rajadas de vento, relâmpagos, trovões e raios que cortam o céu em pequenas fatias. As palmeiras imperiais que contornam a casa se contorcem e dançam para entreter a morte que se esconde por entre nuvens escuras e raios fatais. Na Rodovia Carlos Pedroso são poucos os motoristas que se arriscam trafegar entre a vida e a morte.
Lembro de quando eu era criança ter visto cair um raio bem pertinho da minha casa em Ribeira do Pombal, interior baiano. Eu estava nos braços de alguém, não me recordo quem era a pessoa. Repentinamente despencou uma nuvem de fogo do céu. Logo que ela surgiu imediatamente se desmanchou em várias bolas de fogo que caíram sobre um coqueiro á nossa frente. Em seguida ouviu-se um forte estrondo, depois não se ouviu mais nada a não ser o meu choro. O coqueiro sobre o qual o raio caiu, ficou com as palhas cravejadas como se tivesse recebido vários tiros. Esta é a lembrança, mas remota da minha vida, mas é como se fosse uma recente fotografia.
Triste cenário, este que se descortina agora, diante da minha janela; uma tempestade, um duelo, uma luta desigual entre as forças contrarias da natureza! Tranco a janela, fecho os olhos, apago a luz, abro a porta e saio. Peço a minha imaginação para me transportar a um lugar distante de tudo que agora eu vejo e ouço. Sou ave assustada em busca de outro verão.
Alço vôo em vão, não consigo!  Minha imaginação é leve, porém meu corpo é pesado, preso ao que nunca fui, mas ao que eu sonhava ser. Meu corpo é o Costa Concórdia, naufragado, impossibilitado de navegar pelas águas tranqüilas dos oceanos que deságuam no meu universo particular.
Ando pelo corredor em direção a janela para abri-la. Quem sabe o tempo tenha melhorado? Ao puxar a cortina, sacudida pelo vento, vejo meu rosto, refletido na vidraça, olho com cuidado para ele. É meu este o rosto que eu vejo! Tão diferente do que eu imaginava ter!  Meus olhos assustados confessam ao espelho minhas contradições. Olhos às vezes são palavras e os meus, dizem com todas as palavras o que eu não quero ouvir! Há um provérbio que diz que os olhos são o espelho da alma e nos meus está escrito: A TEMPESTADE QUE DEVES TEMER ESTÁ DENTRO DE VOCÊ! É verdade!
Olhe você também o seu rosto refletido no espelho, como se fosse a primeira vez! Preste bastante atenção em seus olhos até se cansar. Se quiser preste atenção no seu olhar nas fotografias mais recentes. O que você conseguiu ler em seus olhos?

  
José Andrade

Acordei ouvindo as primeiras vozes do dia, vinham da sala e da cozinha, senti nas minhas retinas fadigadas os raios do sol que ousaram atravessar o tecido grosso da cortina que revestia a grande porta de vidro que dava aceso a cobertura. Procurei identificar onde eu havia dormido, de quem eram as vozes, qual era o dia da semana, a data e quais seriam meus compromissos para aquele dia. Diariamente, quando eu acordo, antes de abrir os olhos, cumpro a estranha tarefa de acordar primeiro para dentro. Você já acordou para dentro de se mesmo? Quando acordei para fora, eu já estava sabendo que aquelas vozes, além de serem as primeiras do dia, eram também as primeiras do ano. Quem falava era Robson, eu havia dormido na casa dele, na noite de réveillon.  As outras vozes eram de suas avós e de seus pais, Jaime e Inês.
 Senti um aroma gostoso de café vindo da cozinha. Não tinha mais como eu ficar acordado resistindo ao primeiro dia do ano me chamando para vê-lo. O que eu acho curioso nas cafeteiras modernas é a capacidade que elas têm de satisfazer o meu paladar apenas com o cheiro que elas exalam, sem que eu faça questão de saborear o café depois de pronto. Fui andando na ponta dos pés ate a piscina para intimamente cumprir um ritual de ano novo que é particularmente meu. Ainda era fácil encontrar resquícios da alegria que restara da noite de réveillon. Havia, ali, naquele canto da casa um silencio enternecedor. A água da piscina era de um azul de fazer inveja a Picasso. Senti-me como se eu fosse um personagem sem nome de uma das telas daquele que é considerado o maior pintor do século xx. Gosto das telas deste grande artista engajado e comprometido nas lutas em favor da vida e da liberdade, principalmente as da fase azul (1901 a 1905), período em que ele pintou a solidão, a morte e o abandono.
A piscina era uma imensa tela do azul de Picasso, estendida sobre o piso recentemente revestido de madeira, agora servindo de moldura a tela. Talvez por eu não ser triste e nem alegre, porém poeta pus-me a pensar no mundo fora da moldura. O primeiro dia do ano não é o primeiro dia da vida, mas é como se fosse. Foi este o meu primeiro pensamento do ano. Temos a ilusão de zerar nossas desilusões, esquecer tudo o que doeu em nós e ter de volta tudo que perdemos. Quem dividiu o tempo em pequenas e grandes fatias, e deu o nome de segundos, minutos, meses e ano, foi mesmo uma pessoa genial. “Industrializou a esperança fazendo-a chegar ao limite da exaustão. Doze meses dá para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entre o milagre da renovação e tudo começa outra vez... Com outro numero e outra vontade de acreditar que daqui para diante tudo será diferente.” (Carlos Drummond de Andrade)
O réveillon é para comemorar a chegada de mais um ano, mas também para nos fazer esquecer o ano que passou. O ano que se desfez é o tempo que deixou de ser, que não mais existe. É fósforo que foi riscado! Envelhecemos trinte e um milhão, quinhentos e trinte e seis segundos, quinhentos e vinte cinco mil e seiscentos minutos, oito mil setecentas e sessenta horas, trezentos e sessenta e cinco dias, doze meses.  Resumindo a opera: envelhecemos um ano! Depois da metade do caminho a gravidade ajuda. Os físicos me desmintam se eu estiver mentindo. O ano passado é agora uma tela da fase azul de Picasso pendurada na parede. Feliz ano velho?


José Andrade

Gosto do teu jeito polêmico de ser, mesmo quando eu prefiro o silêncio dos momentos difíceis. 
Gostos dos teus olhos de mar, mesmo sabendo que  Deus  deu ao mar os abismos e o perigo.
Gosto da tua poesia enrustida, mesmo quando eu sei que faz tempo, tempo, tempo, tempo, que tirei a minha do armário. 
Gosto da tua irreverência, mesmo quando eu reverencio os que tecem a vida e os que bordam o tecido com que a vida é feita.
 Gosto da tua alegria exagerada, esparramada pela vida a fora, mesmo quando eu sei que a alegria desmedida é palha queimando, destinada a virar cinza.
 Gosto da tua covardia, a qual você chama prudência, mesmo quando eu sei que a vida quer é coragem.
Gosto das tuas ilusões perdidas, mesmo quando eu descubro que não sei o que fazer com as minhas.
Gosto dos teus sonhos inúteis e da tua alma mutilada, mesmo quando a vida me diz que é preciso gastar mais tempo realizando do que sonhando.
Gosto das tuas faltas e das tuas loucuras, mesmo quando eu sou obrigado a lhe dizer que um erro se comete em um minuto e se gasta uma vida inteira para corrigi-lo.
Gosto das tuas bandeiras e entradas, mesmo quando eu tenho que usar de discrição para lhe dizer que o cerimonial da vida, deixa de fora os afetados.
Gosto da tua alma refugiada entre as cicatrizes do teu corpo, mesmo quando eu sei que quem tem alma não tem calma.
Gosto da tua vida infernal, mesmo quando eu reconheço que ninguém tem o direito de fazer da vida do outro um inferno.
Gosto da tua falta de palavras, mesmo quando é através delas que eu me construo e invento pessoas e cenários invisíveis 
Gosto dos mil e um motivos que eu tenho para gostar de você, e se não os tivesse, mesmo assim eu ainda gostaria.
Gosto de você porque simplesmente o amor nos dispensa apresentações, explicações e complicações.
O amor nem se explica, nem se complica porque já é complicado. É mistério! Deus é amor. 
   
É melhor amar do que explicar.




José Andrade
Cheguei a Taubaté-SP, na ultima sexta-feira por volta das 23 h, após ter saído de Salvador-BA num vôo da Gol com duas escalas em Ilhéus e Belo Horizonte. Deixei a Bahia num dia em que o céu estava completamente azul e encontrei a cidade de São Paulo chuvosa, fazendo aquele friozinho que não pode faltar na metrópole que nos engole, assim, que dela nos aproximamos. Enquanto o avião sobrevoava o estado de Minas Gerais, uma comissária informou estarmos atravessando uma área de turbulência. Passaram-se alguns minutos e a mesma comissária avisou que iríamos atravessar uma área de instabilidade. Turbulência ou instabilidade?
Caminhando ou voando, na terra ou no ar, temos que atravessar diversas áreas de turbulência. Sobreviveremos a elas? Sobreviveremos, embora, deixem em nós conseqüências que precisam ser superadas para que a vida não fique esquecida no guarda-volume de um aeroporto qualquer.
O fato de a comissária ter preferido substituir área de turbulência por área de instabilidade para amenizar o medo dos passageiros, em nada, amenizou o meu sofrimento. Somos seres instáveis por natureza. Nossa existência é uma área de instabilidade onde muitas vezes nos perdemos em busca de estabilidade.
Depois de tantas idas e vindas, viajando de avião, eu comecei a sentir medo, sempre que embarco numa aeronave, fico tenso, segurando disfarçadamente o braço da poltrona. Segurando o inseguro, sem saber o quanto isso é perigoso! Repito um ritual tão antigo quanto as nossas próprias inseguranças; seguro-me no inseguro. Onde encontrar segurança, quando nos sentimos inseguros diante da vida?
Turbulências aéreas são metáforas daquelas outras turbulências que estão dentro de nós, que tanto nos inquietam e amedrontam! Não sabemos quando elas vão passar, mas sabemos que passam.  Já passei por várias e sobrevivi a cada uma delas. A gente sempre sobrevivi e vivi! Aprendi que viver é uma arte que exigi de nós determinação, humildade e fé, porém a mais importante é a fé.
Na fé eu encontro a estabilidade necessária para viver e morrer. Minha coragem e meu instinto de sobrevivência provem da certeza na existência de Deus. Nela eu encontro a determinação e a humildade que a vida exige para que eu não me fira enquanto atravesso uma área de turbulência ou de instabilidade. Não tenho medo do vento contrário e nem da escuridão, pois quem caminha ao contrario do vento sou eu mesmo, o contrário.  Numa terra de fugitivos quem caminha em sentido contrário parece está fugindo. (Eliot)
Acabei de chegar à conclusão que não é de turbulência que eu tenho medo, mas da metáfora que aponta para dentro de mim. Senhor livra-me de mim.