Anoiteceu cedo! No inverno é assim; as noites chegam mais cedo e custam a passar. Mas hoje não é inverno, não é noite e nem é dia. Hoje é o que existe entre o tudo e nada. Perderam-se as estações e o relógio que contava o tempo perdeu os ponteiros como um velho cão que perde os dentes.

Amanheceu cedo! No verão é assim; os dias chegam mais cedo e custam a passar. Mas hoje não é verão, não é noite e nem é dia. Hoje é o que existe de mais sagrado entre o céu e a terra. É o presente sem precedente e o futuro sem passado. Presente é presente! O futuro a Deus pertence. A nós, o presente!


 O relógio enlouqueceu de vez o tempo e perdeu-se na confusão das horas perdidas. Precipitou-se no vácuo da hora em que a natureza troca de guarda. Perdi a hora, o sonho e o sono. Perdi inclusive a chave do camarim da tarde que dói de tão igual. O que eu não perdi foi o som da voz que badala dentro da minha alma dando norte a minha vida. Estou acertando o ponteiro do relógio e convivendo com os meus desalinhos. Foi só o tempo que errou.


“Dentro da noite veloz, o túnel de verdes bambus se estende serpenteando, iluminando o destino dos que partem e dos que chegam. Vai correndo como um menino, abrindo passagem aos que passam, ao que passa e ao que não passa. Por dentro do túnel eu vou passando. Mas afinal o que passa e o que fica? Talvez nada seja assim tão definido. Apenas é o que estava destinado a ser. Eu só sei que as nuvens vistas de longe às vezes são indomáveis gigantes, outras vezes dóceis carneirinhos rechonchudos a distrair os anjos. Mas as nuvens vistas de perto, assim tão de pertinho, são intocáveis, indecifráveis e misteriosas como aqueles sonhos, que por puro encanto, são desfeitos pela luz da manhã. Eu sou a luz que restou no fim do túnel querendo ser a luz da manhã.”